sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crônicas Depressivas: Ataque de Pânico ou "Mas você tá melhorando?"

não tenho dúvidas de que essa é a pior parte do processo. ali estava eu, devidamente terapeutizada. a crise mais ou menos sob controle. tirei uns dias pra viajar, o mar sempre me recarrega. mudei o visual, na certeza de que uma mudança externa ajudaria na mudança interna. mas ele foi chegando devagarinho. o primeiro choque foi a queda no desempenho no trabalho. porque tudo mais podia falhar, a vida doméstica, a ausência total e/ou a total decepção com os relacionamentos, o descuido com a saúde, o afastamento dos amigos e da família, a vida social inexistente. tudo, menos o trabalho. e foi aí que o poço ficou sem fundo. o medo de falhar se tornou relevante, ou sempre foi o problema, ainda não sei. a insônia só piorou. acordar virou um inferno, literalmente. a primeira palavra do dia passou a ser "porra". porque tinha acordado e ía começar tudo de novo. então ou eu chorava, ou ficava sentada, catatônica, olhando da parede para o relógio, para a parede, para o relógio, uma tortura que levava umas duas horas. os atrasos pioraram. a concentração se tornou quase impossível, errática. ao mesmo tempo o dia custava a passar, e eu só pensava em ir pra casa, pra cama, pro ninho. apesar de ter decidido cuidar da saúde, ela começou a declinar. homorragias, febres, dor no corpo, até pensaram que eu tinha dengue. não tinha. começaram as tonteiras, comecei a cair na rua. um dia, depois de um almoço normal no lugar de sempre, senti enjoo, a pressão baixou, subiu aquele geladinho pela coluna, e eu pensei que ía desmaiar na rua. cheguei a tomar soro no ambulatório, mas a pressão não subia. resolvi sair de férias, o que significou duas decisões: entrar na medicação e tentar evitar uma licença médica a qualquer custo. vou falar dessa parte em detalhes, mas pra encurtar a história, passei relativamente bem durante a viagem, achei que o remédio estava resolvendo. voltei, trabalhei uma semana, fiquei doente e não saí mais da cama por 15 dias. os primeiros 15 dias que passaram a ser, bem, a minha vida nos últimos 7 meses. já não bastava chorar de manhã, começava a chorar à noite já pensando que teria que acordar no dia seguinte. dormia durante o dia. praticamente não comi. no décimo dia a fome me fez sair de casa, e eu fui, trêmula, o radar carioca super ativado, repetindo mentalmente o que precisava fazer, pegar dinheiro, comer, comprar alguma coisa pra comer em casa. o primeiro ataque veio na fila das Lojas Americanas, soterrada no corredor de baleiros, imprensada entre pessoas e carrinhos de compras. o coração quase saiu pela boca, taquicardia, tonteira, vontade de chorar, de gritar, de sair correndo dali, pra casa, pra cama, pro ninho. cheguei em casa aos prantos. na verdade não foi o primeiro, durante a viagem tive dois episódios de pânico, de querer sair de restaurantes lotados e ir pra casa, já. tentei voltar ao trabalho depois dos primeiros 15 dias, mas no primeiro dia percebi que não conseguiria. "mas você tá melhorando?" e eu só queria chorar, e tentava em vão explicar que o processo seria mais longo do que se imaginava. a situação ficou insustentável, e eu procurei o serviço social para solicitar o auxílio doença. a sensação de falha é devastadora. mesmo aumentando lentamente a dosagem da medicação, mesmo entrando no ansiolítico, aquele de tarja preta que pode causar dependência, mesmo sabendo que a depressão é literalmente oscilação, até o equilíbrio, bom, saber não adianta muito. minha vida se tornou essa coisa surreal, não saio da cama na maior parte do tempo, não saio de casa, só se a comida acabar. não consigo me afastar do "raio de segurança", mais ou menos dois blocos da minha casa. desenvolvi claustrofobia e agorafobia, e agora antropofobia. é, medo de gente, de crianças saindo do colégio com suas mochilas de rodinhas, se arrastando, falando, subindo nas grades, e eu carregando sacolas pesadas com coca-cola e suco, e alguma coisa de comer. desenvolvi uma coisa que eu nem sabia que tinha nome, hiperacusia, ou seja, audição amplificada. tudo me incomoda e assusta e irrita, as cigarras de manhã e à noite, os cachorros da vizinhança, o caminhão de lixo de madrugada, os morcegos, as obras no prédio, na minha rua, em todas as ruas do bairro, sei lá. as crianças gritando no colégio do fim da rua. até o aparelho de ar condicionado móvel, que inaugurei esse mês, me enlouquece. e agora, pra completar, tenho pânico de ir à cidade a cada dois meses, pra fazer a perícia do INSS, e conseguir a prorrogação do benefício. então, se você pensava que sair de licença médica por causa da depressão é como sair de férias, pense de novo. quando a oscilação é para cima, é quase bom. já arrumei os sapatos, o armário, joguei fora caixas vazias. mas isso não é nem o começo da solução do problema mais profundo, do esqueleto recentemente desenterrado na terapia: toc, toc, posso entrar? mas essa é outra história comprida...



http://www.youtube.com/watch?v=5hDs6mCVAKs&feature=related

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